PRÊMIO 2017


FINALISTAS DO PRÊMIO AEILIJ 2017


Finalistas de Texto Literário Infantil


CATARINA E O LAGARTO
Texto de Kátia Gilaberte
All Print Editora – 2016 
Resenha de Anna Rennhack 
A menina Catarina tem um bichinho de estimação bem diferente. Um lagarto (que a avó chama de calango) que se comunica com ela em sonhos. Aniceto, o lagarto, conta que veio do outro lado do mar, em uma caixa de papelão e que vivia no jardim e nos sonhos de outra menina, Tchissola. 
Curiosa, Catarina pergunta a sua avó sobre o que existe do outro lado do mar. Vó Bela fala sobre a África e os escravos que de lá vieram. A menina fica muito curiosa para descobrir mais coisas. 
Um dia, Catarina percebe que Aniceto está muito agitado e o segue percorrendo as ruas. Chegam à beira da praia e encontram em uma casa humilde, ainda não terminada, uma família que veio do outro lado do mar, da África, de um lugar chamado Angola, Laurinda e os filhos, Carlos e a pequena Ana. Apesar de estranhar a maneira diferente como falam, logo se tornam amigos e passam a conviver com a menina e a avó. No dia do aniversário de sete anos, a mãe de Catarina, Rosa, vem da cidade para a festa e encontra os novos amigos angolanos na comemoração. As crianças riem e se divertem. Após a festa, irritada, Rosa questiona a mãe pela convivência da menina com os amigos e afirma que deixou Catarina aos cuidados dela para poder trabalhar melhor na cidade e proporcionar à menina melhores condições de vida. Os novos amigos são imigrantes africanos, possuem uma cultura estranha e podem até ter trazido alguma doença. Vó Bela ouve o esbravejar da filha e busca uma caixa antiga, cuidadosamente guardada. Retira, devagar, uma foto e revela à filha que sua mãe era uma linda negra angolana por quem o pai, português, se apaixonou, ao trabalhar na África. Impedido, na época, de casar-se em Portugal pelo preconceito da família, veio para o Brasil. Obrigado à retornar, aqui deixou a esposa e a filhinha, Ombela – que significa chuva na sua língua natal. Catarina encantou-se com a história. – Então minha bisavó era africana? No dia seguinte, Rosa retorna à cidade e vó Bela a abraça recomendando que nunca se envergonhe de suas raízes. Ao chegar da escola, Catarina pede a avó para rever a caixa de recordações. No fundo da caixa encontra uma foto antiga da bisavó sentada no chão, encostada em uma árvore. A menina descobre, agarrado ao tronco, um lagarto bem parecido com Aniceto. A legenda no verso surpreende a menina: ”Tchissola na casa de Huambo. 1946”. Deliciosa história, perfeita para abordar costumes, tradições, preconceitos, histórias antigas, amizade, imigrantes e o recomeçar em terras estranhas, com hábitos e costumes diferentes. A cuidadosa edição com as ilustrações repletas de cores e sentimentos de Bruna Assis Brasil acompanham a sensibilidade do texto. 

O GUARDIÃO DA FLORESTA E OUTRAS HISTÓRIAS QUE VOCÊ JÁ CONHECE
Texto de Heloisa Prieto 
Brinque-Book – 2017 
Resenha de Anna Rennhack 
Que cada conto seja lido como uma espécie de álibi para a invenção de novos contos, para a inclusão na longa, eterna e infinita roda de histórias. O jogo mais antigo do mundo. (Heloisa Prieto) Heloisa Prieto nos surpreende de maneira criativa e motivadora. Com a presença do Guardião da Floresta como elemento de união entre as histórias, tudo se transforma e possibilita a releitura dos contos de fadas tradicionais sob a ótica do companheirismo, cooperação e participação. Os personagens não perdem as características originais – o lobo ainda sente vontade de comer umas costeletinhas ou mesmo a avó e Chapeuzinho Vermelho. Como afirma o Guardião, “um lobo é sempre um lobo”. Mas, com ponderação e bons argumentos, acaba por aceitar a convivência pacífica com os filhos da sua melhor amiga: a mãe dos três porquinhos!Em João e Maria, além do resgate de crianças enfeitiçadas pela bruxa – bela e simpática –, Maria tem a ideia de deixar sua bonequinha de presente para a malvada e justifica os feitiços pela solidão vivida por ela na floresta, sem amigos, sem companhia. Contos tradicionais, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Os Três Porquinhos, O Gato de Botas, A Sereiazinha e João e o Pé de Feijão são recontados de maneira a estimular os pequenos leitores a criar novas narrativas com adaptações peculiares. Afinal, quem nos garante que o chapéu da menina era vermelho? Eu prefiro azul! Edição cuidadosa, enfeitada pelas ilustrações de Laurabeatriz, repletas de cor e de elementos que enriquecem as invenções das histórias recontadas. 

O PRESENTE DE JAXY JATERÊ 
Texto de Olívio Jekupe 
Texto em guarani de Werá Jeguaka Mirim 
Panda Books – 2017 
Resenha de Anna Rennhack 
Narrativa indígena bilíngue (português/guarani) que proporciona aos jovens leitores o contato com os mitos e a língua dos primeiros povos do Brasil. Lenda indígena que se propagou entre os escravos como o mito do Saci Pererê, a obra apresenta o personagem mágico Jaxy Jaterê, protetor da floresta e dos animais. A índia guarani Kerexu conhece os poderes do ente fantástico Jaxy Jaterê e não sabe como encontrá-lo para fazer-lhe um pedido. Orientada pela prima Jaxuká, conseguiu as oferendas de agrado de Jaxy e as deixou em um lugar da floresta, para atraí-lo. No dia seguinte, ao chegar ao local, a índia sentiu a presença de Jaxy, que lhe diz que não tenha medo e faça o seu pedido. Kerexu contou então que todos gostavam muito de milho colorido, mas a terra era ruim e a planta não vingava. Jaxy Jaterê disse-lhe que podia confiar que ela teria o milho na quantidade que quisesse. Kerexu regressa encontra um pé de milho colorido ao lado de casa. Porém, era apenas uma espiga e ela fica irritada, uma só espiga não dava para nada! Decepcionada, arranca a espiga e imediatamente outra surge, e assim sucessivamente – cada espiga arrancada, outra surgia. Kerexu compreende que o milho colorido não iria mais faltar. Jaxy Jaterê atendeu ao seu pedido! Além de apresentar a lenda, a obra propicia o contato com aspectos da cultura guarani e o seu modo de vida. O texto em guarani cria oportunidade de aproximar o leitor com a língua indígena e foi vertido pelo filho do autor. Os autores vivem na aldeia Krukutu, em São Paulo. As ilustrações – de traçado simples e bem coloridas –, apresentam um pouco do modo de vida guarani, enriquecendo a narrativa. 

TIO FLORES: UMA HISTÓRIA ÀS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO 
Texto e ilustrações de Eymard Toledo 
V&R – 2016 
Resenha de Anna Rennhack 
Edinho quer ser costureiro como o Tio Flores. Mas antes ele precisa conhecer os fios que unem o passado ao presente. Inspirada em histórias reais vividas na região do Rio São Francisco, Eymard Toledo propõe uma reflexão sobre os descaminhos que podem ser trilhados em nome do progresso. Um delicado conto tecido nos afluentes da memória. (V & R) Tio Flores vive em uma pequena comunidade, às margens do Rio São Francisco. Conhecido costureiro, suas roupas com padronagens alegres enfeitavam as festas e comemorações do lugarejo. Mas, de repente, as coisas foram mudando. A instalação de uma fábrica, alterou completamente a vida no local. Com o rio poluído pelos dejetos da fábrica, os pescadores viram os peixes escassear. As lavadeiras não lavam mais suas roupas nas margens do rio de águas turvas. Tio Flores viu, momentaneamente o trabalho crescer com a encomenda de muitos uniformes cinzentos para os funcionários da fábrica. Edinho, pequeno ajudante do costureiro, conversa com o tio sobre um tempo antigo, com o rio com águas claras e apenas um pequeno povoado que vivia da pesca. Tio Flores sente a grande diferença. Agora, até a confecção dos uniformes, seu ganha pão, foi suspensa, substituída pela importação mais barata. Edinho afirma ao tio que quer ser como ele, fazendo roupas alegres para os moradores do povoado, hoje tão diferente. O menino recolhe retalhos coloridos guardados e dá a ideia para o tio fazer cortinas, para enfeitar as casas agora poeirentas. A ideia dá certo. Na Praça Central as cortinas são expostas e logo a primeira encomenda enfeita o carrinho de pipoca de D. Dita, espalhando a novidade. As encomendas aumentam e as pessoas enfeitam e até pintam suas casas. Tio Flores recomeça o trabalho com novos pedidos de roupas novas para e comemorações. Ele ensina a Edinho que seu segredo para o sucesso no trabalho é sempre receber as pessoas com um bom cafezinho, uma broa gostosa e escutar o que elas têm para contar. Hoje, quem diariamente senta-se à máquina de costura é o Edinho. Tio Flores já não enxerga tão bem, mas está feliz pelo sobrinho ter seguido os seus passos. Ainda é ele quem recebe os clientes, sempre com um cafezinho, a broa de milho e uma boa e longa prosa. Uma obra com edição cuidadosa e lindamente ilustrada pela autora. Suscita debates e levantamento de inúmeras questões pelos temas apresentados de forma simples e do ponto de vista dos moradores ribeirinhos, como a poluição, a modernização e a valorização do trabalho artesanal. 

UM ABRAÇO PASSO A PASSO
Texto de Tino Freitas 
Panda Books – 2016 
Resenha de Anna Rennhack 
Em Um abraço passo a passo, as crianças embarcam na aventura de um bebê que está aprendendo a andar. O texto apresenta uma linguagem simples, composta por palavras do cotidiano das crianças, com números, animais e membros da família. (Panda Books) O bebê começa a andar, cambaleante, seguindo a brincadeira infantil, “quantos passos? De formiga ou de elefante?”. Seu desenvolvimento é acompanhado, a cada conquista, pelos “vivas” da família e, finalmente, ele caminha e é afetuosamente recompensado. Deliciosa brincadeira de vida! Já são conhecidos os efeitos da leitura e manuseio de livros infantis sobre as crianças pequenas. O fascínio pelas histórias, repetidas à exaustão, o encantamento pelas cores vivas e desenhos facilmente identificados pelos pequenos. Em Um abraço passo a passo, o autor usa a brincadeira, o lúdico, para atrair os que se iniciam na alfabetização, empregando rimas e situações divertidas.As ilustrações acompanham a brincadeira, além de fornecer, subliminarmente, informações adicionais que complementam o texto. O cuidado editorial proporciona o manuseio resistente e também serve de atração para a obra. 

Finalistas de Texto Literário Juvenil 


E EU, SÓ UMA PEDRA
Texto de Helton Pereira Cepe 
Editora – 2016 
Resenha de Marisa Borba 
O livro “E eu, só uma pedra”, de Helton Pereira foi vencedor na categoria infanto-juvenil do I Prêmio CEPE Nacional de Literatura 2015. Publicado em 2016 pela Companhia Editora de Pernambuco-CEPE, recebeu imagens do ilustrador e artista gráfico Cau Gomes, resultando num bem cuidado objeto-livro, impresso a quatro cores em papel Couchê fosco e capa em Cartão Supremo. O leitor, com certeza se enredará nessa trama, atraído, provavelmente por seu instigante título. Encontrará então, uma protagonista singular, a Pedra, com suas emoções e comportamentos humanos. Pedra é uma personagem que foge aos clichês encontrados em outras histórias, pois “ficava fascinada com cada palavra que aprendia a ouvir” e sonhava, como todas as outras, com o depois do horizonte. Pedra não queria ser, para sempre, apenas uma pedra esquecida no caminho. O autor se apropria de diferentes referências literárias e coloca Carlos Drummond de Andrade em seu caminho, pois “quem tinha tropeçado nela era um homem alto e magro, careca e de óculos.” “E ele gostava muito de escrever sobre a Pedra que ele tinha encontrado no caminho.” Mas Pedra seguiu outros caminhos e foi parar nas mãos de uma mulher de olhos verdes chamada Cecília, com quem aprendeu rimas e ritmos e ouviu poesias bonitas sobre a vida. Com muita criatividade, o autor aposta na fantasia e na invenção e com ousadia intelectual passeia por outras referências literárias e discorre sobre pedras-peso de papel, pedra angular, pedras de piso. O estilo leve de Helton Pereira nos fala da Pedra que recitava versos de Cecília. Pedra que ouvia histórias de Raquel. Pedra que aprendeu palavras com Carlos. Pedra que conheceu Paulo...Mas, “Paulo não era rei, pois o tempo dos reis já tinha passado, somente os castelos tinham ficado”. As imagens de Cau Gomes, em folhas inteiras ou páginas duplas são arrebatadoras e dialogam com o belo texto. Nesse sentido, pela inventividade do texto, pela bela homenagem aos artistas da palavra, pelo respeito à fantasia do leitor, pelo projeto gráfico cuidadoso, essa obra merece estar entre os cinco finalistas do Concurso da AEILJ de 2018, pois: Os humanos é que são escritores, poetas. Eles criam estas palavras, eu só as repito. Eles são artistas, e eu, só uma pedra. 

ESOPO: LIBERDADE PARA AS FÁBULAS 
Texto de Luiz Antonio Aguiar 
Escarlate – 2017 
Resenha de Marisa Borba 
Esopo teria nascido no Século VII A.C. ou no início do Século VI A.C., provavelmente na Trácia e morreu em Delfos, executado injustamente segundo Heródoto. A ele é atribuído um conjunto de histórias pequenas, curtas, onde os animais desempenhavam papeis que faziam sentido do ponto de vista moral. Eram histórias de tradição oral e só foram escritas, registradas cerca de duzentos anos depois. Esopo inspirou, como sabemos também, muitos poetas medievais e também o escritor e fabulista francês Jean de La Fontaine (1621-1695). Mas a vida de Esopo é feita de muitas histórias, que com certeza dariam muitos livros. Ele foi escravo de lavoura no interior da Ásia Menor, depois escravo doméstico de um filósofo na Ilha de Samos, até que finalmente ganhou ou conquistou sua liberdade. O uso da palavra pública em auditórios e assembleias (só possível com a liberdade) fez seu mundo geográfico aumentar. É importante mencionar que Esopo possuía um físico disforme para os padrões de beleza da época. E também alguma deficiência. Inicialmente mudo, possuía uma inteligência cáustica, demonstrada no episódio dos figos, quando ainda garoto, franzino, corcunda e tímido e vivia na casa de Ladmon. Acusado de ter comido os belos figos dados ao patrão, ele, gago e nervoso, não conseguiu se defender. E vomitou para provar que não havia ingerido as frutas. Invejoso, Agathópodes teve que fazer a mesma coisa. Luiz Antonio Aguiar revela ao leitor: -“Já o senhor da casa passou a reconhecer em Esopo uma grande inteligência. Admirava-o ainda mais a cada dia. Não que a vida do garoto escravo tivesse se alterado muito...” Mais tarde, já falante, comprova como palavras, ao contrário da experiência com os figos, podem valer como gestos. Assim, o que ele faz é contar histórias, ao invés da dar lições, aconselhar ou reprimir. Luiz Antonio Aguiar reuniu algumas destas histórias de Esopo, num livro que na realidade são dois. Uma parte é composta de vinte e uma fábulas, algumas bem conhecidas como O lobo e o cordeiro, A cigarra e a formiga ou O coelho e a tartaruga. Outras não muito presentes em nosso livros como Pescador de águas turvas ou Penas de águia. O leitor mais atento perceberá como a fábula pode contaminar a vida e também como, dialeticamente, a vida pode ser contaminada pelas fábulas. Uma outra parte do livro, visualmente diferenciada pelo tipo de letra e outro papel traz informações sobre a vida de Esopo. Se as fábulas são conhecidas, o que sabemos sobre a vida de Esopo? Luiz Antonio Aguiar, de forma original, procura responder a esta indagação. Com uma escrita fluida e clara, paralelamente à narrativa de suas fábulas, o autor procura jogar uma luz neste tão intrigante fabulista, um personagem mesmo, e sua tão enigmática vida. As ilustrações de Márcia Széliga, em duas cores, com personagens usando máscaras do teatro grego ajudam a intercalar e criar paralelos entre algumas fábulas e a história de vida de Esopo. Pela sua originalidade um livro certamente merecedor de figurar entre os cinco finalistas do Concurso AEILIJ na categoria Juvenil. 

OS FILHOS DO DESERTO COMBATEM NA SOLIDÃO 
Texto de Lourenço Cazarré. 
Cepe Editora – 2017 
Resenha de Marisa Borba 
Numa entrevista no Canal Futura, o autor Lourenço Cazarré declarou: “Meu objetivo como escritor juvenil é provar para um garoto de doze anos que se ele atravessa um livro de cem páginas, ele lê e não morre”. Assim o autor foi nesta busca construindo sua carreira, ganhando leitores e prêmios, entre eles o Jabuti em 1998 (categoria infantojuvenil) com Nadando contra a morte que também ganhou o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Os filhos do deserto combatem na escuridão foi vencedor da categoria infanto-juvenil no 2º Prêmio Cepe Nacional de Literatura de 2016, sendo publicado em 2017. Dos versos do poema Navio Negreiro, de Castro Alves vem a inspiração para o título, pois... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão... Navio Negreiro, Castro Alves. Nesta obra o escritor gaúcho narra as aventuras do menino Kandimba, desde que é capturado e feito escravo em África, até sua chegada ao Brasil, já rapaz e enamorado de Diara. Kandimba é um garoto esperto, curioso e faz desde sempre muitas perguntas. Ávido por aprender, pergunta e pergunta. Mete-se em muitas aventuras e peripécias enfrentando muitos perigos e acaba se tornando líder da libertação de seus companheiros. Escutando o velho Mgongo aprendeu palavras em quatro idiomas. Morando com a rica portuguesa Dona Joana aprendeu a ler e a apreciar a poesia de Camões e se deslumbrou com os versos de “Os Lusíadas”, pois disse ele: -“Aquilo era pura música, com as palavras substituindo tambores e chocalhos!” No convento dos franciscanos, cuidando de Paizinho Coração, leu a Bíblia e aprendeu que “a dor de um homem deve ser sentida por toda a humanidade...” Assim, Lourenço Cazarré faz qualquer leitor (e não só os de doze anos) atravessar estas cento e cinquenta e sete páginas e não só não morrer, mas essencialmente renascer. Renascer para revisitar este capítulo da história brasileira sentindo a dor destes homens. Lourenço Cazarré usa uma linguagem ágil e envolvente, às vezes com traços de humor para nos contar esta saga. As imagens de Luísa Vasconcelos, aliadas à diagramação dos curtos capítulos contribuem para a fruição estética do leitor. Como Mortezinha que segurou o leme da embarcação ao final de modo que o navio oferecesse toda a extensão de seu costado ao mar furioso, o autor oferece toda sua arte em favor da leitura literária e do pensamento reflexivo. 

ROSA 
Texto e ilustrações de Odilon Moraes. 
Olho de Vidro – 2017 
Resenha de Marisa Borba 
Na história de Odilon de Moraes o menino “Vai se chamar Rosa. Rosa, só Rosa, mais nada. Rosa, igual nome de flor.” Rosa, como João Guimarães Rosa. Quem é o leitor de Rosa, de Odilon Moraes, que traz um personagem menino com nome de flor? Será preciso desconstruir uma série de conceitos, abandonar preocupações com conteúdos ou quantidade de texto, com formas ou temas ao nos depararmos com Rosa. Será preciso não pensar em faixas etárias ao ter em mãos o livro Rosa. Será preciso apenas aceitar o convite que Odilon Moraes nos faz para esta fruição estética. Um convite a ver com olhos desacostumados, olhos de Miguilim. Olhos desacostumados que perceberão a importância da capa a preparar para a entrada no rio-livro; cada par de páginas traz um movimento simultâneo de ida e volta. O desencontro entre o tempo da imagem e do texto deixa a sensação de ida de uma margem à outra, oscilante, para alcançar a terceira margem do rio. Páginas quase vazias trazem silêncios profundos. Páginas completamente preenchidas por traços ágeis pedem uma observação mais demorada. Pedem calma... Odilon de Moraes, escritor e ilustrador, duas vezes vencedor do prêmio Jabuti (pelas ilustrações de A saga de Siegfried e O matador) e ganhador também do prêmio FNLIJ- o melhor livro para crianças (A princesa medrosa e Pedro e lua) conhece bem a importância da subjetividade da escrita literária, por isso faz um texto enxuto, onde predomina o não-dito. Com referências ao universo de João Guimarães Rosa, o livro Rosa poderia ser uma continuação do conto “A terceira margem do rio”, de onde pega emprestada a epígrafe: “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” Ou poderia ser uma introdução à obra deste grande autor. Seria a primeira imagem uma alusão à estação de trem do conto Sorôco? Odilon de Moraes reescreve também: -“Rio abaixo, rio afora, rio adentro...” E assim vai o leitor adentrando devagarinho no universo de Guimarães Rosa, pela escrita de Odilon de Moraes. Com muito prazer! 

TODO MUNDO É MISTURADO
Texto de Beth Cardoso 
Escarlate - 2016 
Resenha de Marisa Borba 
- Por que ele veio morar em São Paulo? 
- Como é morar na Bolívia? 
- E sua família, vive com ele? 
Estas são questões que a curiosa Júlia quer responder sobre Pablo, o novo colega de classe. O movimento de aproximação de Júlia não encontra eco em outros alunos da turma ou do colégio, que riem de Pablo e estranham seu modo de falar. Mas Pablo e Júlia encontram muitas afinidades, em meio a conversas em que esclarecem mal entendidos por conta dos significados das palavras em espanhol e em português. Um conflito surgido entre alunos e meninos bolivianos que não estão na escola, quase provoca a expulsão de Pablo. Aos poucos Júlia vai se aproximando da família de Pablo e começa a conhecer um pouco da cultura tão rica deste país. Os encontros e desencontros destes jovens vão se trançando até que um criativo e desafiador trabalho escolar, a apresentação da árvore geográfica da família de cada aluno, mobiliza a turma em torno da origem de cada um. Assim, procuram saber de onde vieram seus pais, mães, avós, bisavós, tataravós, por que razões saíram de seus países, que outros espaços geográficos conheceram. Os alunos teriam liberdade para criar, levar objetos, mapas, roupas e ao final haveria uma apresentação individual. A escrita delicada e bem humorada de Beth Cardoso nos apresenta o universo de jovens e seus conflitos, com uma protagonista que quer resolver, sozinha, situações, complexas e muitas vezes se vê em confusões. O texto agradável e leve de Todo mundo é misturado abordando a questão do respeito às diferenças, com certeza, agradará a leitores de diferentes idades. 

Finalistas de Conjunto de Ilustrações 


A ALMA SECRETA DOS PASSARINHOS 
Ilustrações de Elisabeth Teixeira 
Olho de Vidro – 2017 
Resenha de Maurício Veneza 
A alma secreta dos passarinhos é um livro que se destaca pela delicadeza. A história do menino que, baseado em coisas que ouviu, intui profundos mistérios em coisas simples e cotidianas é tratada de forma sutil e delicada. Igualmente delicadas e sutis são as imagens criadas por Elisabeth Teixeira. As ilustrações, pintadas com aquarela, em que as transparências permitem vislumbrar a textura do papel, também são carregadas de suavidade. Aqui se percebe toda a experiência e o domínio da artista sobre seu meio de expressão. O menino, sem nome e sem antecedentes, é o único elemento humano visível no livro. Nota-se nas imagens a presença de outros elementos que não estão explicitamente mencionados ou sugeridos no texto (a bicicleta, o descampado) e que talvez nem sequer tenham ocorrido ao escritor, mas que estão perfeitamente integrados, contribuindo com a narrativa e constituindo um conjunto equilibrado e agradável à vista. Todas as imagens são de página dupla, exceto a vinheta final, que, de certa forma, complementa a ilustração que a antecedeu, fechando brilhantemente a sequência. 

ESOPO: LIBERDADE PARA AS FÁBULAS
Ilustrações de Márcia Széliga 
Escarlate – 2017 
Resenha de Maurício Veneza 
As inquietantes ilustrações de Márcia Széliga feitas para o texto Esopo: liberdade para as fábulas, de Luiz Antonio Aguiar, cumprem com perfeição o objetivo de não apenas corroborar mas também ampliar o sentido do texto. Para concretizar este propósito, valeu-se a artista da aplicação de um conceito bastante inusitado: se, nas fábulas atribuídas a Esopo, as ações dos animais são alegorias do comportamento humano, por que não trazer o ser humano para as imagens, interpretando as ações dos animais? Assim, diferentemente de dezenas de interpretações anteriores, Márcia traz à cena pessoas (atores?), que, usando túnicas e máscaras do teatro grego, exercem o papel dos animais das fábulas. Mas a originalidade da abordagem não se detém aí. Há uma fusão de elementos, até mesmo na própria anatomia, um ir e vir de formas, que torna bastante tênue e difusa a linha que separa o que é humano do que é animal, o que é intérprete do que é personagem. A ilustradora trabalhou com apreciável economia de cores, o que é bastante pertinente, já que as imagens manteriam sua força, mesmo que a impressão fosse monocromática. Como resultado, temos nas imagens (do mesmo modo que no texto) um enfoque dos mais originais já vistos sobre um tema tão sobejamente conhecido. 

MARINELA 
Texto e ilustrações de Luciana Grether 
Zit – 2017 
Resenha de Maurício Veneza 
Em seu livro de estreia com texto próprio, a ilustradora Luciana Grether nos traz a história de Marinela, menina sertaneja que, de acordo com a tradição da família, é educada para a espera de um improvável príncipe encantado. Mas ela se recusa a esperar passivamente: vive cada momento com a intensidade que lhe é possível. As imagens mostram a passagem do tempo, os diferentes momentos da vida de Marinela, e nelas é predominante a presença feminina. Há uma tia, uma avó, rendeiras, bordadeiras e lavadeiras, mas não há um tio ou um avô, um passante sequer, na maioria das imagens. Após a página 5, em que aparecem meninas e meninos brincando, somente na página 27, quase ao final, volta a surgir outra figura masculina. Em todas as cenas, sejam as que retratam a diversão ou as que mostram os afazeres do dia a dia, a preponderância das cores quentes é absoluta: as ilustrações, feitas com aquarela, têm um clima de permanente verão. Laranjas, vermelhos, amarelos e marrons dominam todas as páginas (esta condição se estende até mesmo à tipologia e à roupa usada pela autora em seu retrato). São páginas transbordantes de calor (humano?), prenhes de vida e alegria, da primeira à última.  

ROSA 
Texto e ilustrações de Odilon Moraes 
Olho de Vidro – 2017 
Resenha de Maurício Veneza 
Desde Pedro e Lua, Odilon Moraes vem despojando seu traço de detalhamentos. Melhor dizendo, vem alternando os trabalhos de maior tempo de lapidação com os de maior despojamento e síntese de formas, o que não significa que uns sejam mais “fáceis” que os outros. Rosa está no segundo caso. É lícito supor que, a despeito de sua aparente simplicidade, a construção da obra tenha custado inúmeros apontamentos, em busca dos diversos enfoques possíveis de cada página a ser ilustrada. O livro, econômico também no texto, abarca um antes e um depois. As imagens assumem um lado da narrativa e o texto assume o outro, sem que haja qualquer redundância. Enquanto as ilustrações falam de um tempo presente, as palavras, como a voz narrativa em off, comum no cinema, falam de um tempo passado que esclarece as ações do presente. Bastante sintético, inclusive no uso parcimonioso de cores, trata-se de uma obra em que ilustrações e texto caminham lado a lado, formando um todo coerente e harmonioso. 

TIO FLORES: UMA HISTÓRIA ÀS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
Texto e ilustrações de Eymard Toledo 
V&R – 2016 
Resenha de Maurício Veneza 
Eymard Toledo é mais um caso de autora de livros que atua em duas frentes, texto e ilustração. O livro TIO FLORES: uma história às margens do rio São Francisco, publicado originalmente na Alemanha, conta a história de um velho costureiro de uma pequena cidade às margens do São Francisco. Ao ver seu prestígio diminuído pelas modificações sociais sofridas pela cidadezinha, Tio Flores é obrigado a repensar a atividade que sempre exerceu e da qual sempre extraiu seu sustento. Nas ilustrações foi usada a técnica de colagem. É possível que o maior mérito das imagens criadas por Eymard seja o de representar, de forma não realista, mas profundamente convincente, o ambiente de uma pequena cidade do interior. Além dos personagens de Tio Flores e Edinho, seu sobrinho narrador, outros moradores da cidade transitam pelo espaço das páginas, envolvidos em suas atividades cotidianas, o que reforça a verossimilhança do ambiente. O conflito entre o simples espaço interiorano e a chegada da indústria, que transforma as relações sociais até então vigentes, também está representado na escolha dos materiais utilizados nas colagens. Na primeira aparição da fábrica, ela é apenas vislumbrada à distância através da janela. Na segunda, em que é visto seu interior, foram usadas peças metálicas que somente tiveram emprego nesta imagem. Por fim, há a ilustração em que aparecem ao mesmo tempo a fábrica, com sua fumaça se espalhando pelo ar, e o rio, que, de acordo com o texto, se encontra à beira da inutilidade. Assim, Eymard, além de conduzir a narrativa verbal, conduz também a narrativa visual com mão hábeis e eficientes.

VENCEDORES DO PRÊMIO AEILIJ 2017


Os jurados do Prêmio AEILIJ 2017: 

Anna Maria de Oliveira Rennhack é pedagoga, com mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Foi gerente de relações institucionais do Grupo Record, de 2002 a 2015, e Diretora da Bloch Educação (Grupo Manchete), de 1996 a 2000. Anna é responsável pela página de Literatura Infantil do Jornal de Letras, publicação do Instituto Antares de Cultura, desde junho de 1999. É membro do júri inicial do Prêmio Rio de Literatura 2016 e 2017 (Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e Fundação Cesgranrio). Alguns de seus livros foram adotados por programas de governo. Entre as publicações selecionadas estão "A origem dos bebês" (MEC/FAE - PNLD), "Livro dos bichos" (MEC/FAE - PNLD) e "O Segredo da Vida" (MEC/FAE - Projeto de Educação Básica para o Nordeste e MEC/FAE - Salas de Leitura). 

Marisa de Almeida Borba possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Educação Jacobina – RJ, nas áreas de Administração e Supervisão Escolar. Foi professora da rede municipal desde 1965 e particular de ensino do Rio de Janeiro, com larga experiência profissional como professora, educadora, membro de júri de prêmios literários (é membro do júri do Prêmio FNLIJ desde 2001 e por duas vezes membro do júri do Concurso literário da Fundação Biblioteca Nacional). Participa como professora do Curso Leitura, Literatura e Formação de leitores, coordenado pela FNLIJ para a SME-RJ desde 2006. Coordenou os espaços culturais de eventos organizados pela FNLIJ no Salão do Livro, do Natal com Leituras e o Momento Literário de Barra Mansa de 2006 a 2009. Ministrou cursos de promoção de leitura para a implantação de bibliotecas comunitárias do projeto Ler è Preciso, em parceria da FNLIJ com o Instituto Ecofuturo. Desde a década de 80 tem sido professora de cursos e participado de palestras e seminários na área de leitura literária, formação de leitores e bibliotecas. 

Maurício Veneza é escritor e ilustrador de livros para crianças e jovens. Também já atuou nas áreas de publicidade, desenhos de humor, histórias em quadrinhos e ilustração editorial. Obras com seus textos ou ilustrações receberam prêmios como o Altamente Recomendável da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) e o da Academia Brasileira de Letras. Vários de seus livros foram selecionados para programas de leitura como o Programa Nacional Biblioteca da Escola e o Programa Nacional do Livro Didático/SP. É também um dos fundadores da AEILIJ (Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil), entidade que reúne os profissionais dedicados ao gênero no país. Entre livros escritos e ilustrados, publicou mais de cento e cinquenta títulos.

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